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Leia os primeiros capítulos de O ESPELHO DO MONGE


Disponível os quatro primeiros

capítulos da Primeira Parte do

livro O Espelho do Monge!

"

“Agora nós vemos num espelho, confusamente,

mas então, veremos face a face.

Agora conheço apenas de modo imperfeito,

mas então, conhecerei como sou conhecido.”

1Cor 13,12

PRIMEIRA PARTE __________________________________________________________________________________________________________

CAPÍTULO 1

Safia e Artur chegam ao local quando o sol da tarde já prepara sua partida, o céu azul–avermelhado prende o olhar maravilhado dos viajantes.

Ela mal pode conter suas emoções. Aquela aula de seu Curso de Especialização em Arqueologia a tinha lançado num desafio particular. Pediram–lhe uma pesquisa sobre um lugar onde pudesse haver possibilidade de busca arqueológica, mas ela se deparou com uma história tão interessante que havia lhe consumido todo tempo disponível. Como não havia tempo para mais nada, resolveu apresentar o que havia encontrado, mesmo sabendo que poderia ser alvo de chacota. E foi: “Isso é lenda! Estamos falando de ciência!”. Sua pesquisa acabou não sendo levada em conta e teve que refazê–la. O que não a abalou tanto, pois no fundo, já esperava por isso. Guardou tudo e prometeu a si mesma que, após terminar o curso, iria procurar o tal lugar e desvendar aquela história que, desde então, começou a incomodá–la.

Foi o que aconteceu. Contrariado, seu pai, o prefeito da cidade, viu a filha partir com um guia em busca do tal lugar. Lugar distante daquela cidadezinha, pouco habitado, sem recursos. Isso o preocupava. Mais ainda! O fato de a filha ter colocado aquilo na cabeça era loucura pra ele! - “Ela bem poderia ter seguido carreira política!”, pensava. No entanto, decidiu bancar a tal viagem para que aquilo ficasse resolvido de uma vez por todas e ela voltasse a se interessar por coisas realmente importantes! Era sua esperança!

– Não acredito! – exclama ansiosa a arqueóloga recém–formada, olhando aquele belo lugar! Mato baixo e verdinho, mais parecia um tapete! Ao longe se avistam as montanhas que completam a beleza da paisagem. A brisa sopra como um carinho que, apesar do calor, refresca a pele.

– É, chegamos! É aqui, sem dúvida! Parece mais um jardim...! O monge foi sepultado perto daquelas pedras. – aponta o guia, entusiasmado, até olhar para baixo e ver algo que fecha seu sorriso. Ele retira sua mochila das costas e a deixa cair lentamente, aproximando–se para ler o que está gravado numa placa de pedra no chão.

Safia está muito ansiosa para prestar atenção naquilo. Quer ir logo até o túmulo e averiguar se toda sua espera tinha valido a pena. Imagina a cara do pai e sente um frio no estômago! E se tudo aquilo fosse mesmo verdade?! Ainda por cima, poderia ganhar muito dinheiro e ficaria famosa com tal descoberta!

Enquanto os pensamentos povoam a mente agitada da moça, Artur, o guia, sentado perto da placa, anota algumas coisas em seu caderninho, compara as letras, tenta traduzir palavras... Está compenetrado naquilo. Parecem dois mundos diferentes num mesmo lugar! Ou seriam mesmo?

– Então, vamos! O que está esperando?! – Safia grita ansiosa, não entendendo o que ele faz ali parado.

– Calma, Safia! Isso não é um parque de diversões! Olhe só isso aqui. Confesso que não acreditei muito que você pudesse encontrar algo... mas depois que vi isso, mudei de opinião! – diz tudo isso sem tirar os olhos de suas anotações.

Safia olha pra baixo e avista a placa de pedra.

– Espera aí... – o coração da moça dispara – Diz a lenda que... A chave para abrir o lugar estaria esculpida numa rocha e que só poderia usá–la quem fosse do sexo masculino, virgem e estivesse sem pecados no momento, como o monge que a usou para fechá–lo!

– É isso aí! – Artur solta o caderno no chão e olha para as montanhas, pensativo.

Safia vira–se para ele e faz cara de desconfiança... “Artur?! Ah, não... Não tem cara...” O moço percebe seu olhar e já vai logo se levantando.

– Não, com certeza não sou eu! – diz, com um leve sorrisinho nervoso.

– Claro... Nem pensei nisso! – disfarça, ela.

Os dois se entreolham. Silêncio.

– E agora?! Só estamos nós dois aqui! Quer dizer que teremos que... Ah não...!!! Meu pai vai me matar! Como eu não pensei nisso?! Ele não vai mais pagar minha vinda pra cá! – solta nervosamente a moça.

– Talvez, se... – pondera, ele – você tirasse uma foto da placa e mostrasse a ele! Provaria que não se trata exatamente de uma lenda. Pode ser uma história um pouco... fantasiosa, mas o fato é que tudo isso existe e bate com as descrições!

Os olhos de Safia se enchem de brilho!

– É claro! Tem toda razão! Com essa foto posso tentar convencê–lo de me deixar... trazer meu irmão? Ele só tem treze anos. Esse, tenho certeza de que é virgem! É... sim, tenho certeza! Será que ele deixaria? – já tirando a câmera fotográfica da mochila.

– Tem mais uma coisinha... – coça a cabeça – Seu irmãozinho não pode ter pecado até chegar aqui e ler as inscrições... em latim! Ele sabe latim? Ah... e quem vai financiar nosso retorno e ainda com mais um viajante? Seu pai não parece muito disposto a isso...

Safia tira a foto e guarda a câmera. Fica pensativa e um pouco desanimada com o comentário dele.

– Você me anima e depois me joga um balde de água fria! Não temos mais um tostão. Poderíamos trazer o padre aqui, para confessá–lo antes de ler... Mas isso quer dizer: complicou! São mais duas passagens, se eu conseguir convencer o padre e meus pais! Ah! E se conseguir o dinheiro pra todas as outras despesas!

– Bom, já está ficando tarde e logo escurece. É melhor voltarmos para a estrada onde deixamos o carro. Pensaremos em algo no caminho.

– Não! – exclama decidida – E se tudo isso for mesmo uma história fantasiosa, como você disse? Não podemos ir embora sem antes ter certeza disso!

– Tá. E o que você pretende? – já percebendo a intenção da moça, coloca o caderno de volta na mochila e se prepara para sair dali – Não, não vou participar disso! Se você quiser, vá em frente! Você sabe das consequências!

– Calma, Artur! Se for uma história fantasiosa, não tem nada... consequência alguma! – tenta convencê-lo.

– E se não for? E se tudo isso for mesmo verdade? – pausa – Como você acreditou esse tempo todo!

– Acreditei que pudesse ser... Mas nunca tive certeza de nada! Se entrarmos, veremos logo!

– Acho que isso tudo já é o suficiente, Safia. Eu não vou entrar aí. Sabemos do que se trata. Não estamos protegidos pela nossa inocência. E outra! Você vai entrar pra roubar o espelho! Saquear o túmulo!

– Não é um roubo, é uma descoberta... científica!! – tenta ela, novamente.

– Descoberta, sim! – ironicamente – Seja o que for. Eu não entro. – decidido.

– Sabe, você é um frouxo! – grita nervosamente – Duvidou até agora e chega na hora de provar, vira as costas? Você não disse que iria pagar pra ver? Ou melhor, receber, né?! Já que sou eu que estou pagando! Quer saber? Se quiser ficar aí com medinho, eu entro! Eu mesma serei a prova que eu preciso! – Safia retira a mochila das costas e os sapatos, respirando fundo em preparação para os passos ousados que pretende dar.

Artur fica parado, observando a moça. É bem bonita! Seus olhos já chamam bem a atenção de tão azuis; seus cabelos longos, tão pretos e brilhantes parecem mais um tecido nobre. Temendo que aconteça algo a ela, começa a recitar seu sermão, numa tentativa de fazê-la desistir.

– Ninguém consegue dar mais do que seis passos em direção ao túmulo. Passam mal. Falta de ar. Não conseguem respirar. São obrigados a voltar. Ninguém nunca conseguiu chegar. Não te contei uma coisa! Você não foi a única pessoa que conheci que se interessou por isso. Há um tempo atrás, conheci um homem que tentou; na verdade, foi ele quem me deu as dicas desse lugar. Tudo bem que não acreditei muito nele, mas... acho que estou mudando de ideia. Ele me dizia que “a desobediência cansa, porque você luta com as próprias forças!” e assim foi me contando como pegou a maldição. Ele ignorou a placa e entrou, como, aliás, você está prestes a fazer! A cada passo, se sentia mais cansado; no sexto passo estava se sentindo exausto e com falta de ar, como se tivesse corrido numa maratona. Teve que voltar. À medida que voltava, ia recobrando as forças até sair do lugar. Desistiu da busca, mas levou a maldição! Uma doença respiratória crônica... Se esse espelho existe mesmo, está muito bem protegido. As inscrições na pedra vão além das palavras em latim, há simbologias que preciso pesquisar. É muito mais que um objeto valioso. É um objeto sagrado! Você mesmo me disse que não se brinca com o que é sagrado sem sofrer as consequências disso! – depois de um breve silêncio, continua – O que aconteceu? Perdeu a fé? De que provas ainda precisa?

– Preciso descobrir porque isso me incomoda tanto! – respira fundo e pula a placa de pedra. Dando o primeiro passo, volta-se para ele – Não perdi a fé!

– Loucura... – sussurra ele, inconformado.

Safia dá mais três passos. Não sente nada e continua!

– Estou bem! Como você está aí na arquibancada, cavalheiro? Por que não tira uma foto?! – brinca ela, tentando se descontrair – Quatro passos e estou respirando normalmente!... Cinco passos... – seu coração começa a disparar e seu corpo todo começa a estremecer. Sente um cansaço fora do normal, mas não quer parar, acha que pode ser ansiedade e se força a continuar, já não olha mais para trás – seis... – desmaia.

Artur sente seu coração sair pela boca! E agora?! Corre para acudi–la e entra no lugar? Espera que se recupere? E se ela estiver... Num impulso, joga a mochila no chão e corre até a placa, tira os sapatos e se ajoelha, fechando os olhos nervosamente numa rápida oração.

– Deus, me perdoa! Não sou digno de entrar. Não pretendo ir ao túmulo, mas salvar essa moça, tirá-la daqui. Dai-me forças para trazê-la de volta e prometo não trazer mais ninguém a esse lugar! – se levanta, respira fundo e corre ao encontro dela. Pegando-a no colo a retira de lá, sem um só sinal de cansaço.

CAPÍTULO 2

Mosteiro da Colina

Elias acorda de repente. O mesmo sonho! Senta-se na cama e acende o abajur.

“Preciso falar com dom Giovane” – pensa ele – “Preciso contar tudo”.

Logo de manhã, Irmão Elias já aguardava a chegada de Dom Giovane numa saleta do mosteiro. Ele entra e fecha a porta. Depois de alguns longos minutos, Dom Giovane sai em direção à biblioteca. Demora um pouco e chega trazendo um caderno com capa de couro nas mãos, fechando logo a porta atrás de si.

– Está aqui. – entrega o caderno para o monge – Esse é o caderno do prior, onde ele escrevia tudo sobre o espelho.

– Como o senhor conseguiu? – espanta-se, Elias.

– Há um tempo eu também tive esses sonhos, mas depois parou. Na época fiquei muito intrigado e comecei a pesquisar. Achei esse caderno muito bem guardado aqui na biblioteca. Li, estudei... – silencia-se, pensativo.

– Então o tal lugar existe? Está sendo ameaçado, mesmo?!

– Pode ser... Só sei que a história é real, aconteceu há séculos atrás... Neste mesmo Mosteiro, antes das reformas. O povo da cidade vivia tranquilo e o Mosteiro era celeiro de santas vocações! Até que... começaram desavenças entre os monges; sutilmente entraram as maledicências, as reclamações, os relaxamentos espirituais e a cidade foi ficando muito violenta. Isso tudo foi acontecendo lentamente, até que tomou um corpo imenso e complicado. Muitos monges saíram do Mosteiro; dos quarenta que haviam, sobraram apenas seis. O prior foi nomeado quase que em caráter de emergência e não lhe deram chances de recusa. Ele sabia que algo de errado estava acontecendo para que, em pouco tempo, o Mosteiro mais bem conceituado e frutuoso da região, tivesse se tornando um local de queda e deserção. Ele passou quarenta noites em oração profunda, pedindo a Deus que lhe revelasse a origem dos problemas, para que ele pudesse reerguer o Mosteiro e entregar-Lhe ainda mais vocações do que aquelas que haviam se perdido. Foi então que, na noite do quadragésimo dia, o monge foi visitado por um Anjo que lhe entregou um pequeno espelho com as devidas instruções. Essas instruções foram cuidadosamente anotadas neste caderno. Depois disso, desapareceu. Resultado: o Mosteiro foi reerguido, tornando-se novamente celeiro de muitas vocações. Ninguém de fora do Mosteiro jamais viu esse espelho, mas alguns monges dizem tê-lo visto na época. Saíram dizendo que era todo de ouro, cravado com pedras preciosas... Mas isso só serviu pra ser chamariz de ladrão! O fato é que o espelho... reflete a verdade da alma da pessoa, sua beleza e sua feiura. Teria que ficar sob a guarda e posse do monge até sua morte. Somente ele poderia manuseá-lo. Ah! Importante: o Anjo também lhe deu instruções para cunhar uma medalha de proteção, pois, diz no caderno, “a realidade espiritual é ainda mais terrível que a material” e, na quarta página, “a batalha espiritual é mais real do que aquilo que se pode enxergar”. Essa medalha está colada na última página. Na ocasião de sua morte, o prior preparou um substituto e revelou tudo a ele, como deveria ser seu sepultamento e a guarda do espelho e da medalha. Ele sabia que estava para morrer, antes mesmo de adoecer repentinamente. Seu substituto foi fiel a todos os detalhes. O monge foi sepultado juntamente com o espelho, na altura de seu rosto. O caderno e a medalha ficaram sob a guarda do então prior, até a ocasião de sua morte. Depois disso, a história foi esquecida...

– Mas, não entendo... Que ameaças o corpo do prior pode ter sofrido?

– Ah, sim! Inicialmente ele foi sepultado no cemitério do mosteiro, mas devido às especulações em torno do valor material do espelho, houve inúmeras tentativas de saque. Foi então que, o fiel prior substituto também entrou em oração por quarenta noites, pedindo auxílio naquela situação. Novamente o Anjo apareceu e o instruiu sobre o quê e como fazer para proteger o lugar: uma placa de pedra com inscrições em latim e vários símbolos em volta; a mudança do túmulo para o lugar indicado e, por fim, a proclamação de uma oração de proteção, que fecharia o lugar. E assim foi feito.

– Porque então esse sonho me pede para ir até lá pegar o espelho?! O lugar não está fechado?

– Alguém está tentando pegá-lo primeiro! Alguém que colocará o espelho em perigo. Esse espelho não pode cair em mãos inimigas, seria um desastre total! Leia o que diz no caderno, na penúltima página. A chave pra abrir o lugar é a pronúncia da oração que está escrita na pedra, em latim, mas, quem pronunciá-la precisa ser do sexo masculino, virgem e sem pecados, caso contrário, atrairá uma maldição, da mesma forma que a atrairá todo aquele que tentar entrar no lugar, ignorando a placa. Uma maldição que só será quebrada quando alguém conseguir abrir o local da maneira correta e pegar o espelho.

– Então é impossível entrar! Quem não tem pecados?! – Elias está um pouco nervoso.

– Há uma maneira. Confesse-se ao chegar à cidade e coloque a medalha de proteção até chegar ao lugar e pronunciar a oração. Depois pode retirá-la e guardá-la de volta no caderno. Vá até o túmulo, onde há umas pedras em volta e cave. Abra, retire o espelho e feche novamente.

– Meu Deus! Não sei se conseguirei fazer isso... Acho que eu não sou a pessoa mais indicada! – murmura o monge.

– A medalha o esconde dos anjos. Bons e maus. Como se te ocultasse do “radar” deles. Ela possui os mesmos símbolos desenhados na placa de pedra. Por isso o local é invisível para eles.

– Por que o senhor não vai até lá? – tentando uma maneira de abandonar a missão.

– Não tive permissão na época e não a tenho agora também, mas pesquisei tudo e te entrego satisfeito. De certa forma, mesmo sem saber, acabei preparando sua ida. Você não teria tempo pra isso.

– Por que eu?! – Elias está a ponto de chorar.

– Não sei. Deus não costuma dar muita satisfação de Suas escolhas!

– E se eu não for? – pergunta, em sua última tentativa.

Dom Giovane olha bem para ele e depois de um breve silêncio, diz:

– Você é livre, para ir ou não.

CAPÍTULO 3

Artur e Safia seguem a viagem de volta em silêncio, até que a moça arrisca quebrá-lo:

– Não vai mesmo me contar?

Silêncio.

– Como entrou? Como se safou da maldição?!

Artur respira fundo e percebe que não adiantaria protelar. Terá que contar. A coisa era simples, mas para ele, difícil de assumir.

– Eu fiz uma oração. Foi só isso! – diz rapidamente, numa vã tentativa de se livrar do assunto.

– Oração?! Que oração? – surpresa.

– Nada demais. Só fui... sincero e Ele me ouviu.

Safia olha-o com certa desconfiança.

– Não pode ser... Tem mais coisa aí... Por que então não foi ao túmulo?

– Eu não podia entrar lá. Só fui por sua causa!

– Oh! Obrigada e me perdoe por isso! – retruca ironicamente, mas cedendo à sua curiosidade, insiste – Mas... foi bom ou ruim?

– Não sei te responder.

– Artur!

– Não quero mais falar sobre isso. É melhor descansar. Sua respiração está ficando diferente. Sugiro que procuremos um médico! – responde preocupado.

Safia concorda. Percebe que aquilo tudo também havia mexido com ele. Pensa em como ele havia percebido sua respiração diferente e começa a reparar melhor no seu guia. Sim, ele era bonito, estatura mediana, um pouco mais alto que ela, cabelos castanhos, olhos castanhos, estava bem dentro de seu peso e tinha a musculatura definida, pelo que se podia notar.

“Será que ele fez isso por mim? Ah Que bobagem!” – pensa ela. – “Acho que estava aguardando a manifestação da maldição! Quem sabe não se convenceu de que tudo era mesmo verdade?!”.

Logo que chegam ao chalé, ela vai para o quarto tomar um merecido banho. Percebe que sua respiração realmente não está normal e se lembra da maldição. Não escaparia de um médico!

“Por que fui me arriscar assim?” – pensa ela, um pouco arrependida.

O celular toca. Ela se assusta com o toque e atende rapidamente.

– Alô, filha! Até que enfim consegui te ligar! Onde vocês estão? Está tudo bem?

– Calma, pai... tudo bem... estamos pra voltar... mas, descobrimos o lugar!

– Você está bem mesmo, Safia? Parece cansada... – ignorando a notícia.

– Ah, sim! Estou... cansada! Vou tomar um banho agora e... descansar um pouco, na volta... te conto tudo, pai! Um beijo na mãe e... no Umberto, tá? Tchau.

Safia não espera o pai responder. Desliga o celular e senta-se na cama.

– E agora? Como vou continuar... assim?

Depois do jantar, Artur e Safia vão para fora da pousada, na calçada. Os dois estão em silêncio. Comeram em silêncio. Exteriormente está tudo silencioso, mas o barulho interior está alto demais. Num esforço heroico, Safia arrisca:

– Preciso voltar lá.

– Desse jeito? Vai morrer antes de dar o primeiro passo! – prontamente.

– Acontece que... se eu não abrir o lugar e pegar o espelho... vou... morrer com essa maldição! Só posso quebrá-la... se a coisa for feita... da maneira certa...

– Tudo bem! Vai em frente! – com ar irônico – Sua missão é árdua! Convencer o seu pai não vai ser fácil, ainda por cima doente... – olhando para ela com um sorrisinho disfarçado no canto da boca, declara: – Ele nunca vai te deixar voltar, Safia.

– Eu dou um jeito... – ignorando a dramatização dele.

– Eu... não volto mais! – confessa, desta vez, sem olhar para a moça.

– O quê?! – quase grita inconformada.

– Não volto mais. Você já tem o mapa, as dicas... tudo! Se quiser, terá que ir sozinha ou arrumar outro guia. – olhando novamente para ela – Eu não posso mais. Fiz uma promessa. Sinto muito, Safia. Não podemos mais brincar com isso...

– Isso não é brincadeira! – sussurra, para não gritar, enquanto fica ainda mais ofegante. – Você vai me abandonar... a essa altura?

– Sem apelações, Safia. Eu te levo de volta e te entrego a seu pai. Recebo meu pagamento e tchau. Não quero te ver se suicidando nessa loucura! – seriamente.

– Artur!... – não sabe mais o que dizer para convencê-lo.

– Vamos viajar agora. É mais seguro. Sua respiração está piorando e eu não posso arriscar sua saúde. Vamos, vá pegar suas coisas. Procuraremos um hospital pelo caminho.

Diz isso e entra, sem dar a ela a chance da réplica. Ela obedece, mas por não ter outra opção.

CAPÍTULO 4

Irmão Elias olha a paisagem da tarde pela janela do ônibus. Longe de ser tranquilizadora, a bela paisagem o estava deixando mais nervoso. Por que teve que aceitar? Teve a chance de dizer não! E agora? Não adianta reclamar. Gruda ainda mais forte a medalha num bolso e apalpa o caderno no outro, para se certificar de que estavam ali, mais uma vez. Tentando se acalmar, começa a refazer o roteiro em sua cabeça: “Paro no posto de combustível, ando duas quadras a direita, dobro a esquina e entro na Igreja. Falo com o padre, me confesso, coloco a medalha e pego um taxi para esse local escrito no caderninho. Ele me deixará na estrada. Peço para esperar um pouco. Vou até a placa de pedra, leio-a em voz alta. Entro. Vou até o túmulo. Pego a pá que está na mochila. Ai meu Deus! Vamos lá! Cavo, pego o espelho e saio. Pronto, acabou! ”

Tenta esboçar um sorriso de missão cumprida, depois de traçar o roteiro, mas é interrompido por um homem que se senta ao seu lado, na poltrona vaga.

– Com licença!

– Toda. – está muito nervoso para conversar. Quer pensar naquilo de novo, se certificar de que não está se esquecendo de nada.

– Preciso descer no posto de combustível, você sabe onde fica? Disseram que é onde o ônibus faz uma parada, mas... como é a primeira vez que venho por aqui, temo me enganar.

– Também vou descer lá. – não acredita que aquele cara ia descer no mesmo lugar! Só faltava agora ficar puxando conversa!

– Que bom! – sorri aliviado. – Posso ver que é religioso! De qual Mosteiro?

Irmão Elias não consegue mais pegar o fio da meada de seu roteiro interior.

– O da colina. – resposta de quem não quer conversa. Elias espera que o homem seja bastante inteligente para perceber.

– Ah... – percebe que o monge não quer conversa, mas insinua sorrindo – conheço bem os mosteiros, principalmente esse... da colina!

Irmão Elias acha aquele comentário estranho, mas acha que ele pode estar querendo tirar sarro dele, por sua resposta evasiva. Fica em silêncio. O homem também. Em seu silêncio exterior, as palavras de Dom Giovane assaltam sua mente: “Você só estará protegido se usar a medalha depois de ter se confessado. Não a use antes, não adianta.” - “Não mostre esse caderno a ninguém.” - “Coragem, filho! Não se distraia!” - “Estarei em oração!”.

O tempo parece voar depois disso e ao longe, Irmão Elias avista o tal posto de combustível. Seu coração dispara. Toca novamente os bolsos, apalpa a medalha em um e o caderno no outro. O homem percebe o nervosismo do monge.

– O senhor está bem?

– O posto está logo ali. Preciso descer, com licença! – diz isso e vai se levantando, puxando a mochila do guarda-malas interno do ônibus, acima de sua cabeça.

– Que bom! Também desço ali, então! – o homem ajeita seu casaco de couro e pega sua maleta executiva que se encontra logo abaixo, ao lado de seus pés, levantando-se logo em seguida para dar passagem a Elias.

Rapidamente passa uma porção de coisas pela cabeça do monge, fazendo seu coração disparar ainda mais. E se fosse um... homem que tivesse interessado nele? Não! Só por que o cara era bonitão? Por que então insistia em puxar conversa? Que cara chato! E se fosse um assaltante disfarçado? Iria descer no posto e sair correndo. Isso! Pense ele o que quiser! Elias não podia se arriscar! Não sabe bem o porquê, mas aquele homem o incomodava demais.

– Com licença! Obrigado! – Irmão Elias coloca a mochila nas costas e passa à frente do homem, seguindo pelo corredor do ônibus. “Vou parar perto da porta do motorista, assim, saio rapidinho”. – pensa ele.

O homem pega a maleta e se levanta, seguindo-o. O motorista dá sinal e encosta o carro perto da lanchonete do posto. Outros passageiros se levantam para descer. Elias é o primeiro e o faz com tanto entusiasmo que tropeça no último degrau e quase cai, não fosse o homem que vinha atrás dele o segurar pelo casaco.

– Você está bem? – pergunta o homem, ajudando-o a se recompor.

– Sim. Tudo bem! Obrigado! – nervoso, desconcertado e apressado, Elias logo se recompõe e apressa o passo. Pensou que chegaria pela manhã, não de madrugada. Está com fome, mas não ousaria parar na lanchonete. Está com tanta vergonha do homem que nem se despede. Corre pela calçada, querendo chegar logo à igreja. O padre já havia sido avisado por Dom Giovane, e o aguardava. Isso o deixava mais seguro.

Ao dobrar a esquina, avista a igreja e respira aliviado.

– Você tem algo que eu quero! – grita o homem, atrás do monge.

Irmão Elias sente a adrenalina queimar seu corpo. Ele para e se volta para o homem. Esse, em pé, com a maleta no chão a seu lado, aguarda uma resposta. Elias não consegue falar, está muito assustado. “É um assaltante! Como desconfiei!”. Num impulso de segundos, apalpa novamente os bolsos. O caderno está ali e a medalha... cadê? Cadê a medalha?! Será que caiu ao descer do ônibus? Sente um frio no estômago.

– Entrega–me o caderno que está no seu bolso!

Elias não pode acreditar naquilo! Como ele sabe? Por que um assaltante iria querer um caderno? Quem era ele?

– O caderno, Elias! Me entregue!

Elias ainda mais assustado pelo homem saber seu nome, sem ele ter dito, apalpa novamente o caderno e se lembra de Dom Giovane. E agora? O que faria?

O homem olha bem para ele com seus olhos negros e erguendo seu braço direito à altura de seus olhos, aponta a mão espalmada para o monge assustado:

– Demorou demais!

Uma força extraordinária sai de sua mão e Elias é derrubado, como se tivesse levado um soco, caindo como morto no chão. Então, o homem se aproxima dele, pega o caderno de seu bolso e sai tranquilamente para pegar sua maleta, com um leve sorriso de vitória.

– Isso não te pertence! – grita uma voz atrás dele.

O homem para e volta sua cabeça lentamente para trás, já sabendo o que lhe esperava.

Um ser de branco reluzente, em pé, ao lado de Elias caído no chão, estende o braço àquela criatura de aparência horrível, que segura a maleta e o caderno.

– Você de novo! – sussurra roucamente a irada criatura inteiramente deformada.

– O caderno!

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